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Limites da penhorabilidade de salários

No mundo contemporâneo, o salário é a justa retribuição pelos serviços habitualmente prestados pelas pessoas às corporações. Com ele, os cidadãos conseguem garantir a sua subsistência e, muitas vezes, a de seus familiares. Diante da relevância do salário na vida de todos, prescreve o direito a sua impenhorabilidade, no art. 833, IV, CPC: “são impenhoráveis: […]

No mundo contemporâneo, o salário é a justa retribuição pelos serviços habitualmente prestados pelas pessoas às corporações. Com ele, os cidadãos conseguem garantir a sua subsistência e, muitas vezes, a de seus familiares.

Diante da relevância do salário na vida de todos, prescreve o direito a sua impenhorabilidade, no art. 833, IV, CPC: “são impenhoráveis: os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º”. 

Contudo, essa impenhorabilidade não é absoluta. Admite exceções, inclusive na lei. A impenhorabilidade não se aplica à penhora para pagamento de prestação alimentícia, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. Agrega o STJ que “em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (AgInt nos EDcl no AREsp 1656096/DF, 3. T. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 28/04/2021).

Além dessas duas exceções, os Tribunais, no curso dos processos de execução, admitem em casos excepcionais a penhora de parcela de salários, para garantir a satisfação de outros créditos. O STJ valoriza, de um lado, a manutenção da qualidade de vida dos devedores (conservação do “mínimo existencial”, garantia de menor onerosidade possível, etc.). De outro, as legítimas expectativas do credor. Dessa difícil equação, brotam julgados.

O julgado mais importante a respeito do tema foi ditado pela Corte Especial. Assentou-se a premissa de que: “a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.” (EREsp n. 1.582.475/MG, CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJe 16.10.2018).

Dando concreção à orientação acima, o STJ, em recentes julgados, admitiu a penhora de parcela da remuneração do devedor para a satisfação de honorários de sucumbência: “assim, embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora de salário com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna do devedor e sua família”. (REsp 1806438/DF, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 19/10/2020).

Um caso interessante (e bastante polêmico) foi apreciado pela Quarta Turma, diante de cobrança de aluguéis residenciais. Segundo o voto proferido pelo Min. Raul Araújo, “alega a parte agravante que, decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado da decisão que julgou procedente a ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis proposta contra o recorrido, não obteve meio de receber seus créditos. Daí pediu a penhora de percentual sobre a remuneração do antigo inquilino (…)”. O Relator considerou que o devedor era magistrado de carreira, de sorte que poderia suportar a penhora sobre, ao menos, 15% (quinze por cento) de seus rendimentos brutos. De outro lado, o credor era pessoa natural, que afirmava precisar da renda para garantir a qualidade de vida de sua família. Concluiu: “com isso, adota-se medida que garante efetividade ao cumprimento de sentença, sem afrontar a dignidade ou a subsistência do agravado e de sua família”. 

Na ementa, constou um argumento típico da análise econômica do Direito, matéria estudada por ilustres professores (Manoel Trindade, Fabiano Coulon e Rafael Dresch, dentre outros competentes colegas). Para o relator: “a preservação da impenhorabilidade na situação acima traria grave abalo para as relações sociais, quanto às locações residenciais, pois os locadores não mais dariam crédito aos comuns locatários, pessoas que vivem de seus sempre limitados salários”. (AgInt no AREsp 1336881/DF, 4. T., Rel. Min. Raul Araújo. DJe 27/05/2019)

Portanto, à luz da evolução da jurisprudência do STJ, quanto à penhorabilidade dos rendimentos, observa-se é essencial que cada juiz – antes de deferir a penhora de salário para a satisfação do crédito (medida absolutamente excepcional em nosso direito) – afira as provas contidas no processo para concluir que a medida não afeta a subsistência familiar (AgInt nos EDcl no AREsp 1752642/SP, 4. T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe 06/05/2021).