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O contrato de corretagem na jurisprudência do STJ

data

18 de junho de 2021

categoria

Direito,

Na última década, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu orientações importantes para a resolução de conflitos envolvendo corretores, empresas e seus clientes. Uma das causas para a alta frequência do “contrato de corretagem” nas pautas de julgamento reside na massiva utilização pelas pessoas desse importante instrumento que, em geral, promove o bem-estar e viabiliza a circulação da riqueza. Neste artigo, gostaria de registrar alguns julgados importantes.

Fora de qualquer dúvida, o contrato de corretagem é oneroso no direito brasileiro. Os corretores tem pleno direito a receber pelo seu trabalho prestado, quando alcançado o resultado previsto no contrato de mediação. Nesse sentido, os julgados do STJ enfatizam que “não é devido o pagamento de comissão de corretagem no contrato de compra e venda de imóveis quando o corretor apenas realiza a aproximação das partes” (AgInt no AREsp 1385390/RS, 3. T., Rel. Min. Ricardo Cueva. DJe 05/09/2019). Ou seja, se o negócio almejado pelo cliente não for celebrado (por exemplo: uma compra e venda) nada será devido ao corretor pelo tempo dedicado a facilitar essa hipotética contratação.

A comissão é devida inclusive nas contratações que envolvem o programa Minha Casa Minha Vida, salvo na Faixa 1. Isso foi definido no julgamento do tema 960/STJ: “Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa MCMV, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem”.

De acordo com o art. 724, do Código Civil, a remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais. Já se vê que, diante da omissão da lei ao fixar a remuneração, a legislação estabelece o acordo entre as partes envolvidas (a vontade) como o principal critério de sua fixação. É muito importante que as partes estipulem cláusulas contratuais específicas quanto ao tema.

Contudo, em muitas vezes, as pessoas envolvidas esquecem de estabelecer com clareza qual a comissão devida, bem como quem deve pagá-la. Um volume considerável de processos debate exatamente essas duas questões. Afinal, se o contrato é oneroso, porém as partes nada disseram, cumprirá ao juiz arbitrar a comissão.

Outro tema bastante importante reside no adimplemento do dever de informar, na seara consumerista. Ao longo dos anos, os Tribunais se depararam com publicidades enganosas praticadas por agentes do mercado, as quais indicavam em suas peças o valor parcial da transação, omitindo o custo de outros serviços que deveriam ser pagos pelos compradores, como a corretagem. Juridicamente, é muito diferente anunciar um imóvel por R$ 1.000.000,00 e, na hora de assinar o contrato, exigir outros R$ 60.000,00 a título de comissão do que anunciá-lo desde logo por R$ 1.060.000,00. O consumidor precisa, durante as negociações, ter a informação do custo total.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça firmou a conhecida tese (Tema 938, REsp 1599511/SP) de que é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de compra e venda, desde que previamente informado o custo integral da transação. Esse mesmo julgamento estipulou a prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores pagos (art. 206, § 3º, IV, CC).

Da leitura dos votos proferidos no paradigma acima, fica evidenciada a valorização do direito à informação dos consumidores, os quais poderiam sofrer prejuízos caso não tivessem a informação precisa acerca dos custos da corretagem. Portanto, o julgamento dos casos concretos, deveria observar o critério do adimplemento do dever de informação, a partir da perquirição de seu contexto, a fim de se concluir pela ciência prévia (ou não) do comprador a respeito do custo integral da transação. Por ilustração, o STJ sublinhou que a prática de ocultar (“escamotear” foi a expressão do voto) o custo da corretagem não poderia ser chancelada (REsp 1.747.307/SP). Constou no acórdão: “o que realmente importa para a aplicação da tese firmada no Tema 938/STJ é verificar se a comissão de corretagem não foi escamoteada na fase pré-contratual, como se estivesse embutida no preço, para depois ser cobrada como um valor adicional, gerando aumento indevido do preço total”.

Existem situações delicadas. Por exemplo, quando o vendedor dá causa ao desfazimento do contrato (validamente formado). Nesses casos, julgados adotam o seguinte raciocínio: “resolvido o contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do vendedor, é cabível a restituição das partes ao status quo ante, com a devolução integral dos valores pagos pelo comprador, o que inclui a comissão de corretagem.” (EDcl no AgInt no AREsp 1220381/DF). Entretanto, o ônus da resolução do contrato de promessa de compra e venda não deve pesar sobre o corretor, o qual desempenhou com êxito a sua missão.

Nesse sentido, ao definir o Tema 939, reconheceu o STJ a “legitimidade passiva ‘ad causam’ da incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder pela restituição ao consumidor dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, nas demandas em que se alega prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor”.

Durante a pandemia, uma das áreas que conseguiu se sair relativamente bem foi a construção civil. Em várias regiões do país, observamos um aumento sensível nas contratações, o que anuncia que o tema da corretagem permanecerá por bons anos na pauta dos Tribunais.

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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