A proteção dos direitos da personalidade não compete a um ou outro Tribunal específico. Todos os Tribunais, ao se depararem com a violação dos direitos da personalidade, tem o dever de analisá-los e garantir efetividade à sua proteção.
Um debate interessante ocorreu no Tribunal Superior do Trabalho, diante de um caso no qual uma empresa exigiu de seus funcionários a realização de “teste do bafômetro” (TST, Ag-AIRR 20383-89.2017.5.04.0123, Rel. Min. Maria Helena Mallmann).
Identifiquei duas questões jurídicas interessantes: (1) é lícito a uma empresa exigir esse tipo de testagem? (2) se positiva a resposta, como o teste deve ser realizado?
Para a primeira questão, considero importante verificar qual a atividade desempenhada pelo empregado, afinal um motorista embriagado tem maior possibilidade de gerar danos às pessoas do que um tradutor que trabalha em homeoffice, por exemplo. Outro norte importante seria evitar um teste direcionado a uma ou outra pessoa, garantindo-se assim um padrão de conduta da empresa (e a suposição de que de todos os funcionários será exigida a mesma atitude).
Nesse sentido, em outro caso julgado pelo TST, a Corte considerou que não caracteriza abuso do poder diretivo da empresa a submissão de forma aleatória (mediante sorteio) de seus funcionários ao teste etilômetro (RR-11276-14.2015.5.03.0060, 2. T., Rel. Min. Maria Helena Mallmann, DEJT:15.02.2019).
Concordei com a premissa do TST, no sentido de que a realização do teste do bafômetro tem por objetivo salvaguardar um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos os envolvidos, minimizando os riscos de acidentes. Portanto, em linha de princípio, será lícita a testagem. No caso concreto, segundo dados do acórdão: “a realização de teste de ´bafômetro` – aparelho que mede a concentração de álcool etílico na corrente sanguínea do indivíduo, mediante análise do ar pulmonar profundo – traduz medida de segurança adotada pelo réu, voltada à proteção da saúde de seus empregados. Isso porque, obviamente, trabalhador, para exercer com segurança suas atribuições funcionais, precisa se encontrar em plena condição de higidez física e mental, sob pena de sofrer ou provocar acidentes no ambiente laboral”. No caso concreto, o cidadão prestava serviços em um porto, local onde – em tese – há risco de acidentes.
Quanto a este ponto, a defesa da empresa sustentou que havia “a previsão em norma coletiva para a realização de exame de etilometria/toxicológico e do afastamento do trabalho sem remuneração em caso de recusa à realização do teste”. E que os exames realizados pelo autor teriam ocorrido “com seu consentimento e sem nenhuma ressalva”.
Uma questão pertinente, que não foi enfrentada no caso, diz respeito ao tipo e a intensidade da sanção: se algo mais “light”, como uma advertência verbal pedagógica ou algo mais grave, como a dispensa por justa causa… Muitos critérios deverão ser utilizados para se aferir a justiça e a legalidade da sanção atribuída pelas empresas. Dentre outras: atividades desempenhadas pelo obreiro, o seu histórico na empresa, a concentração de álcool no sangue, reiteração da conduta, consequências concretas, campanhas de prevenção, exemplo da chefia, etc. Sob este enfoque o TRT/MG reverteu justa causa, adotando o seguinte raciocínio: “Tendo em conta ter sido a primeira vez que o reclamante não passou no teste bafômetro, que inexistem indícios que tenha ingerido a bebida alcoólica dentro das dependências da empresa ou durante a jornada, que não estava conduzindo a colheitadeira em que trabalhava, que não causou nenhum acidente, que não possuía advertências anteriores por quaisquer outros motivos, e devido às peculiares do alcoolismo, reconhece-se que não foi observada a gradação da penalidade”, conforme o voto do Relator, Des. Ricardo Marcelo Silva (RO 0011557-26.2017.5.03.0148).
Contudo, como destacou o TST, a realização do teste deve ocorrer em ambiente discreto, sem a exposição da pessoa ao público ou aos colegas, para se resguardar a dignidade do obreiro. Sob este enfoque raciocinou a Ministra Maria Helena Malmann: “todavia, o contexto dos autos (vídeos depositados em Secretaria) revela que o referido teste não era efetuado reservadamente, como deveria, expondo aqueles submetidos à inspeção cotidiana a ´chacotas` por parte de colegas que, embora direcionadas a todos em geral, e não especificamente ao demandante, são suficientes para ocasionar o abalo moral alegado”. Concluiu que a pressão cotidiana de inspeção “diante de outros trabalhadores e sob ameaça de ter que suportar ´chacotas` por parte dos colegas, além da pressão do corte de ponto, em caso de recusa, evidencia um ambiente de trabalho nocivo (…)”.
Com base nessa fundamentação, o TST condenou a empresa ao pagamento R$10.000,00 de compensação por danos morais.
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