Daniel Ustárroz – Professor da PUCRS | Doutor em Direito Civil (UFRGS) | Especialista em Resolução de Conflitos e Técnicas de Mediação (UCLM) | @danielustarroz
O direito das famílias foi um dos ramos que mais se desenvolveu nas últimas décadas, especialmente após a Constituição Federal. A ordem estabelecida pelo Código Civil de 1916, de que apenas o casamento permitia a regular constituição de uma família, na qual o marido era o “chefe do casal”, foi colocada em xeque, especialmente após o movimento feminista da década de 1960.
Desde então, as pessoas e a sociedade procuram identificar um novo modelo, mais democrático e instrumental, para promover o bem-estar de todos os seus membros.
Dentre as diversas mudanças havidas e em andamento, uma delas diz respeito a um fato social novo: muitas pessoas consideram os pets como verdadeiros membros da família. Os laços afetivos entre eles e seus “donos” (curadores ou pais) são reais, profundos e recíprocos.
Alguns doutrinadores, como Felipe Cunha de Almeida, sustentam o surgimento de outro modelo de família (dito “multiespécie”) para harmonizar interesses dos “pets” e das pessoas (recomendo a leitura de sua obra: “Animais de estimação e a proteção do direito de família: senciência e afeto”, Editora Thoth). Nela o autor apresenta dezenas de casos envolvendo conflitos de casais, os seus filhos e “pets”: gatos, papagaios, peixes, cachorros, macacos etc.
Saiba mais em: STJ: Divórcio: direito de visitas ao “animal de estimação”
No Superior Tribunal de Justiça, um acórdão pioneiro foi proferido pela 4ª Turma, em 2018. Apreciando a disputa por uma cadela da raça “Yorkshire”, adquirida no curso da união estável (“Kimi”), o Ministro Relator Luís Felipe Salomão admitiu o direito de visitas, após a dissolução da união (REsp 1713167/SP, 4. T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 09.10.2018).
Para contextualizar, transcrevo trechos do importante voto: “os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade”.
Portanto, “(…) deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada”; “a ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal”; “a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho”.
Por decorrência: “assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal”.
Como era de se esperar, o tema chega com frequência a todos os Tribunais da Federação. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, destaca-se a decisão proferida pela 8º C.C., sob relatoria do Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos (TJRS, AC 50001612820198210153, 8. C.C., j. 08.10.2020). No caso, um cidadão postulara a “guarda de cachorro em decorrência da separação do casal”.
Após a extinção do feito em primeiro grau, sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido, a Câmara considerou admissível a ação, “não obstante a ausência de regramento específico tema”. Com a desconstituição da sentença, o feito retornou ao primeiro grau para que o magistrado enfrentasse o mérito, inclusive com o uso de analogia dos institutos do direito de família. O leitor interessado em aprofundar o tema, encontra palestra proferida pelo professor Luiz Felipe Brasil Santos, em Congresso de Direito de Família.
Enquanto fenômeno cultural, é natural que o direito receba e responda aos novos anseios das pessoas. No momento, é gestada uma fórmula para regular os conflitos que surgem, com frequência, entre as pessoas, diante da separação conjugal.
Nos próximos anos, amadurecidos e testados os critérios oferecidos pela doutrina e pela jurisprudência, encontraremos um meio de conciliar as justas expectativas das pessoas em relação ao convívio com os animais domésticos, os quais igualmente padecem dos efeitos da separação.
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