+55 (51) 99117-5545

O “prazo dobrado” no Novo CPC

data

4 de abril de 2019

categoria

tags

Um dos temas que mais atrai a atenção dos advogados é a contagem dos prazos e, em especial, a incidência do benefício popularmente conhecido como “prazo em dobro”. Ao longo de 2017, o Superior Tribunal de Justiça apreciou os primeiros casos envolvendo a interpretação desta previsão legal, à luz do “Novo CPC”.

Como é sabido, a matéria já estava presente no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), no art. 191, o qual dispunha: “quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”.

O Novo Código de Processo Civil (NCPC) inovou acerca do tema, que foi regulado no art. 229, com a seguinte redação: “os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento. § 1o Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles. § 2o Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos”.

Já se vê que o pressuposto genérico para a aplicação da norma é a diversidade de advogados em atuação a favor dos litisconsortes. Daí o reconhecimento, pelas Cortes, de que “é inaplicável a prerrogativa do prazo dobrado, advinda do art. 229 da nova legislação processual, quando, a despeito do litisconsórcio passivo, os réus são representados pelos mesmos procuradores”. Esta orientação histórica foi ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento ocorrido em 09.05.2017. Segundo a Corte não se aplica o prazo em dobro previsto no art. 229 do CPC/15, quando apenas um dos litisconsortes apresenta substabelecimento com reservas de poderes, remanescendo nos autos advogado comum aos litisconsortes”.

De toda sorte, o benefício tem ampla aplicação e sempre gerou discussões.

Inicialmente, deve ser destacado que, como regra, os prazos de contestação, quando houver litisconsórcio passivo, serão dobrados, salvo quando o mesmo procurador represente ambas as partes ou quando ambos os procuradores atuem na mesma sociedade de advogados. Com efeito, não é razoável exigir que o jurisdicionado conte com a revelia alheia, a qual ocorre apenas excepcionalmente na vida judiciária.

Nessa linha, a jurisprudência historicamente sublinha que “em caso de litisconsórcio entre dois corréus, o prazo deverá ser contado em dobro, mesmo que um deles seja revel, deixando de apresentar contestação”. Todavia, se o réu revel não constituir procurador, deixará de incidir o art. 229, após o oferecimento da contestação do co-réu, na linha do parágrafo primeiro deste dispositivo. Quanto ao ponto, aparentemente, o NCPC acolheu a orientação jurisprudencial pré-existente.

Em relação as peculiaridades do procedimento instituído pelo art. 229, assinalam os professores Rodrigo Mazzei e Tiago Figueiredo Gonçalves que “o prazo em dobro deve ser observado independentemente de requerimento de um dos litisconsortes, afastando, com isso, a possibilidade de interpretação que condicione a contagem em dobro à postulação prévia de um dos interessados. Por outro lado, cria a exceção para a regra da contagem em dobro dos prazos, afastando sua incidência das hipóteses em que os procuradores distintos são vinculados a um mesmo escritório de advocacia. Supera, com isso, interpretação que o STJ de há muito vem dando ao texto do art. 191 do CPC/1973 em vigor, no sentido de aplicá-lo de forma irrestrita, ainda que os procuradores diferentes atuem pelo mesmo escritório, na medida em que a redação atualmente em vigor não faz a distinção, pelo que não seria dado ao intérprete fazê-lo.”

No âmbito recursal, há questões problemáticas. Um exemplo é o debate quanto à sua incidência quando apenas um litisconsorte possui interesse recursal. Incidirá no caso o dispositivo ou o prazo será simples? A resposta passa pela análise dos hipotéticos efeitos da decisão e do interesse para dela recorrer. Se ela atingir ambos os litisconsortes, deve ser consagrado o prazo dobrado, ainda que apenas um deles venha a efetivamente impugná-la. Esta é a conclusão da jurisprudência majoritária. Entretanto, quando o interesse é de apenas uma das partes, não há sentido em se admitir a duplicação.

A este respeito, foi editado o Enunciado nº 641 da súmula do Supremo Tribunal Federal, que limita o aproveitamento do prazo em dobro às situações nas quais a decisão haja trazido sucumbência a todos os litisconsortes, pois “não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”.

Nos julgados do primeiro semestre de 2017, o Superior Tribunal de Justiça ratificou essa orientação, como se vê das seguintes ementas:

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO GRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LITISCONSORTES DIFERENTES. PRAZO EM DOBRO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. O prazo em dobro previsto no art. 229 do NCPC, correspondente ao art. 191 do CPC/73, não se aplica para o agravo interposto contra a decisão que nega seguimento a recurso especial, mesmo que haja litisconsortes com procuradores diversos, porquanto somente o autor dessa irresignação possuirá interesse e legitimidade para recorrer. Precedentes de ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção. 3. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias úteis, nos termos do art. 994, VIII, c/c os arts. 1.003, § 5.º, 1.042, caput, e 219, caput, todos do NCPC. 4. Agravo interno não provido”. (AgInt no AREsp 1005522/SP, 3. T., Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 23/05/2017, DJe 05/06/2017)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL INAPLICABILIDADE DO PRAZO EM DOBRO PREVISTO NO REVOGADO ART. 191 DO CPC DE 1.973 CORRESPONDENTE AO ATUAL ART. 229 DO CPC DE 2.015. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento jurisprudencial desta Corte determina que a prerrogativa do prazo em dobro prevista no revogado art. 191 do CPC de 1.973, correspondente ao atual art. 229 do CPC de 2.015, deixa de ser aplicável quando se desfaz o litisconsórcio na instância ordinária e apenas um dos litisconsortes apresenta recurso. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt no REsp 1661461/SP, 4. T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/06/2017, DJe 19/06/2017)

Outra inovação a respeito do tema encontra-se no parágrafo segundo do art. 229. O artigo afasta a incidência do prazo dobrado aos processos eletrônicos, porquanto as partes possuem plenas condições de acessar os autos e defender os seus direitos. Lamenta-se, contudo, que o desconhecimento desta inovação venha ocasionando o não-conhecimento dos recursos interpostos. Na prática, a aplicação do direito é prejudicada pela ignorância da nova redação legal.

Ilustram essa situação:

“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO INTEMPESTIVO. I – Não se conhece do agravo interno interposto após o encerramento do prazo estabelecido pelo art. 1.070 do Código de Processo Civil de 2015. II – A decisão recorrida, objeto deste agravo interno, foi disponibilizada em 3/2/2017 (sexta-feira), no Diário de Justiça eletrônico, considerando-se publicada em 6/2/2017 (segunda-feira), iniciando a contagem do prazo de 15 dias (art. 1.070 do CPC/2015) no próximo dia útil seguinte. O agravo interno foi interposto em 16/3/2017, quando já escoado o prazo legal, em 1º/3/2017. III – Não se aplica a contagem do prazo em dobro quando os litisconsortes, apesar de defendidos por procuradores diferentes, litigarem em processo com autos eletrônicos. Inteligência do art. 229, caput e § 2º, do CPC/2015. IV – Agravo interno não conhecido”. (AgInt no AREsp 824.302/PB, 2. T., Rel. Min. Francisco Falcão, j. 20/06/2017, DJe 26/06/2017)

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS. ART. 1.003, CAPUT E § 5º, DO CPC/2015. LITISCONSORTES COM PROCURADORES DIFERENTES. PROCESSO EM AUTOS ELETRÔNICOS. PRAZO EM DOBRO. NÃO CABIMENTO. ART. 229, § 2º, DO CPC/2015. INTEMPESTIVIDADE. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES PARA A RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 1.003, caput e § 5º, do CPC/2015. 2. Tratando-se de processo em autos eletrônicos, não há que se falar em prazo em dobro para litisconsortes com procuradores distintos, conforme o art. 229, § 2º, do CPC/2015. 3. A agravante não trouxe razões suficientes para a reconsideração da decisão monocrática. 4. Agravo interno improvido”. (AgInt no AREsp 1007898/RJ, 3. T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25/04/2017. DJe 04/05/2017)

Por decorrência, na medida em que o processo eletrônico vem sendo implementado por todos os Estados e por todas as regiões da Federação, a tendência manifesta é que o dito “prazo em dobro” seja afastado da cena judiciária e se torne um mero dado histórico. É sabido que, em grande parte dos Tribunais, o índice de digitalização dos processos está próximo a 100%. Logo, o espaço para a aplicação do art. 229 vem sendo reduzido.

Em face dessas pontuais alterações, é recomendável extrema cautela na utilização do prazo em dobro, porquanto é observada, como já referido, uma nítida tendência em direção à sua extinção no dia-a-dia do Foro.

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br