Daniel Ustárroz – Professor da PUCRS | Doutor em Direito Civil (UFRGS) | Especialista em Resolução de Conflitos e Técnicas de Mediação (UCLM) | @danielustarroz
Em 2006 foi sancionada uma das leis mais simbólicas do Brasil. Batizada de “Maria da Penha”, em reconhecimento à biografia de Maria da Penha Maia Fernandes (Fortaleza-CE, 01.02.1945), ela traduz um capítulo da luta do Direito por igualdade e proteção às mulheres.
Foi amplamente divulgada na mídia a sua dupla tentativa de feminicídio por parte de seu ex-marido: “Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda”. Lamentavelmente, essa foi uma das tantas agressões sofridas.
A Lei nº 11.340, em seu art. 7, arrola algumas das formas de violência, com as quais as mulheres são diuturnamente atingidas: (a) violência física (espancamento, queimaduras, lesões, estrangulamento, sufocamento, etc.); (b) violência psicológica (ameaça, perseguição, chantagem, ridicularização, cerceamento de liberdades, com a de crença, etc.); (c) violência sexual (“qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força”, impedir o uso de contraceptivo, etc.); (d) violência patrimonial (“qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” e (e) violência moral (“qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”).
Passados mais de 15 anos de sua vigência, a jurisprudência do STJ consolidou valiosas orientações para a sua aplicação prática.
Inicialmente, concluiu a Corte que a vulnerabilidade das mulheres para fins de proteção pela Lei Maria da Penha é presumida: “A própria Lei, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente.
Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos” (AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, 5. T., Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe: 05.08.2019).
Em 2022, interpretando de forma finalística a lei, considerou o STJ que mulheres transexuais também poderiam encontrar proteção nela. Justificou o ministro Rogério Schietti que “o arcabouço protetivo se volta a julgar autores de crimes perpetrados em situação de violência doméstica, familiar ou afetiva contra mulheres”.
Ponderou que “gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres” e que “em uma perspectiva não meramente biológica, portanto, mulher trans mulher é”.
No caso, a agressão ocorrera em ambiente doméstico, familiar e afetivo, entre pai e filha, de sorte que “as condutas descritas nos autos são tipicamente influenciadas pela relação patriarcal e misógina que o pai estabeleceu com a filha”. Daí a necessidade de imposição de medidas protetivas. (REsp 1977124/SP, 6. T. DJe 22.04.2022)
Ainda, dentre as medidas legais para a assistência à mulher em situação de violência doméstica está a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. A este respeito, decidiu o STJ que compete ao juízo da vara especializada em violência doméstica e familiar deliberar quanto a este tema. E que “cabe ao empregador o pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento da empregada vítima de violência doméstica e familiar. E que fica a cargo do INSS o pagamento do restante do período de afastamento estabelecido pelo juiz, com necessidade de apresentação de atestado que confirme estar a ofendida incapacitada para o trabalho e desde que haja aprovação do afastamento pela perícia do INSS, por incidência do auxílio-doença, aplicado ao caso por meio de interpretação analógica”. (REsp 1757775/SP, 6. T., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz. DJe 02.09.2019)”.
Por fim, no rito dos recursos repetitivos, que vincula todos os juízes e tribunais inferiores, fixou a seguinte tese 983: “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.” Portanto, foi adotada a teoria do dano in re ipsa.
Esses e outros julgados permitem que os 46 artigos da Lei Maria da Penha encontrem alguma eficácia social, a despeito do longo caminho a ser ainda percorrido para que, efetivamente, os objetivos da lei sejam alcançados pelo desenvolvimento da sociedade.
Um dos temas mais delicados no Direito envolve a chamada “prisão civil”. Resquício da ideia romana de que o obrigado deveria responder com o seu corpo pela execução das dívidas que livremente contraiu, a prisão civil perdura…
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