O Código Civil brasileiro disciplina inúmeros contratos. Apenas no título dedicado às “várias espécies de contrato”, são apresentados vinte modelos. Ao lado dessas duas dezenas de negócios jurídicos, outros tantos são encontrados em leis esparsas. Contudo, por mais minuciosa e precisa que seja a legislação, jamais haverá a integral previsão de todos os negócios jurídicos observados no seio da sociedade.
É sintomático, sob esse enfoque, que a história do direito tenha consagrado a figura dos contratos atípicos. Ou seja, contratos que existem no seio social e que são respeitados pelo direito, ainda que não previstos na legislação. Respondem, tais contratos, às exigências do tráfego negocial e protegem, na maior parte das vezes, as pessoas nele envolvidas. É princípio assente nos sistemas que as partes são livres para criar contratos não previstos em lei, pela projeção da autonomia privada.
Bela é a lição de Pedro Alfonsin Labariega Villanueva, pela qual “a incessante evolução das relações econômicas, a inacabada revolução tecnológica, a globalização dos mercados que causa a padronização das regras de direito, a economia em constante expansão, as renovadas exigências do tráfico mercantil e as mudanças que cotidianamente se efetuam em todos os âmbitos da vida, determinam a aparição e a profusão de relações contratuais não previstas nos ordenamentos legais, que geram o surgimento de novas figuras; de sorte que os clássicos contratos típicos não se tornam – em algumas ocasiões – o esquema mais adequado para regular tais inovadoras condutas”.
É o caso do contrato de patrocínio, que é amplamente utilizado na vida contemporânea, a despeito de não ter merecido, ainda, a atenção devida do legislador brasileiro, no plano do direito civil.
Quanto à origem, em geral, a doutrina costuma apontar que ele teria surgido das mecenas, isto é, pequenas doações animadas pela boa vontade do sujeito, uma liberalidade em benefício de terceiros e da sociedade. O termo “mecenas” derivaria de Caio Mecenas, rico cidadão romano, ministro e amigo do imperador Augusto, que, por volta do ano 70 a.C., prestou auxílio a diversos escritores e artistas, simbolizando com tais atos o altruísmo de seu caráter.
Emanuela Giaccobe irá afirmar que, na origem, aquilo que move o patrocinador a financiar atividade alheia é justamente o seu “animo mecenatístico”, de sorte que o contrato se identifica com uma doação, já que sua causa é o espírito de liberalidade (contrato unilateral, por decorrência). Em um segundo estágio, observa-se um cambiamento do interesse do “doador”, cujo objetivo passa a ser escutar em público a gratidão por parte do beneficiado. Ele mira o reconhecimento social, por isso a autora afirma que a doação, antes pura, torna-se modal. Por fim, como coloca a autora italiana, desaparece por completo o espírito de liberalidade e o sponsor será animado exclusivamente pelo interesse publicitário, o que irá permitir classificar o contrato como bilateral e oneroso.
O fato é que ele está presente em nossa vida comercial, há décadas. E se insinua no cotidiano forense, ocasionando a necessidade dos Tribunais recorrerem aos tradicionais critérios de interpretação contratual para dar boa solução aos casos que lhe são apresentados.
O contrato de patrocínio atrai inúmeras áreas do direito. Pense-se, por ilustração, nos litígios da justiça laboral, nos quais uma parte alega que o contrato serve como disfarce de uma relação trabalhista. Na seara tributária, é fundamental a diferenciação entre o patrocínio e a doação, para efeito de se calcular a extensão do benefício fiscal haurido pela pessoa que incentiva o esporte e a cultura, entre outras questões. Essas e tantas outras projeções são igualmente relevantes.
No direito civil, a doutrina propõe conceitos. Camilo Verde qualifica o patrocínio como “uma atividade que tende à difusão de uma mensagem publicitária por meio de um colegamento entre o nome ou a marca do patrocinador e um evento ou uma série de eventos, protagonizados por um ou mais sujeitos que não participam de seu quadro de pessoal”. Extrai-se dessa primeira citação dois elementos inafastáveis, quais sejam: a veiculação de publicidade de forma alternativa (fim) e mediante a utilização de terceiros que logram atingir o seu público consumidor (meio).
Igualmente didática é a definição de Francesco Galgano, quando indica que é “o contrato através do qual uma empresa (sponsor) com a finalidade de aumentar a notoriedade de seus signos distintivos entrega uma quantidade de dinheiro, ou de bens ou serviços, ao organizador de manifestações desportivas ou de iniciativas culturais, de espetáculos televisivos, etc., ou de uma pessoa individual do esporte, do espetáculo (sponsorizado), para que este publicite, no momento previsto no contrato, os produtos ou a atividade da empresa”.
Como se observa, a notoriedade da marca irá depender fundamentalmente do sucesso da pessoa ou do evento patrocinado, criando o contrato, nessa linha, uma vinculação entre as imagens dos contratantes.
Essa coligação é o terceiro elemento relevante do patrocínio e vai permitir constatar a necessidade de que cada parte auxilie a outra no curso da execução do programa obrigacional. No conceito de Lina Mussumarra, essa característica fica clara, pois o contrato seria “uma particular forma de colaboração de caráter essencialmente promo-publicitário que se instaura entre um atleta esportivo e uma pessoa com finalidade e objeto social completamente diversos e que ocasiona a veiculação de um signo distintivo do sponsor, mediante remuneração”. Se ocorre falha no processo de colaboração de uma parte para com a outra, aumenta-se o risco do fracasso negocial. Veja-se o exemplo dos patrocinados que, olvidando essa íntima relação entre as imagens projetadas, adotam condutas manifestamente ofensivas ou desonrosas à luz da opinião pública. Fatalmente, o sponsor também será atingido por tais atos.
A definição da autora anteriormente citada também auxilia na compreensão da última característica fundamental do patrocínio, que é a autonomia que cada parte conserva na gestão de seu próprio negócio, uma vez que o objeto social e a área de atuação dos sujeitos são distintos. Os contratantes conservam plena autonomia para gerir as suas vidas, já que seu conhecimento técnico é distinto, de sorte que não deve ser cogitada a ingerência de um na atividade do outro. Quando presente um vínculo de subordinação, o relacionamento comercial é desnaturado, abrindo a possibilidade de ser caracterizada, inclusive, uma relação de emprego mascarada.
A coligação entre os sujeitos permitirá a publicidade almejada pelo sponsor, com a promoção de sua marca, as suas cores, o seu nome, os seus produtos e serviços, etc. O contrato, portanto, emerge como uma figura pela qual a pessoa contribui, de diversas maneiras, para a realização de uma determinada atividade ou evento atraente, aprimorando assim sua imagem perante o público atingido pelo evento.
À luz dessas definições, colhidas por amostragem na doutrina estrangeira, podem ser visualizados seus elementos individualizadores: (a) a finalidade publicitária; (b) a realização dessa publicidade por meio de pessoas estranhas à empresa beneficiada; (c) a coligação entre a imagem dos sujeitos; e (d) a autonomia própria de cada parte, na condução de suas ações.
Ao lado dessas quatro características, constata-se a exigência de colaboração para que o contrato alcance sucesso. Valendo-se da lição de François Ost, “mais do que a estrita comutação de dívidas recíprocas, a cooperação e a participação serão a regra”, uma vez que toda forma de contrato representa um modelo de aliança com vistas ao interesse comum das partes e que implica o mínimo de consideração entre elas. Esta concepção terá reflexo nos deveres assumidos pelas partes.
De um lado, compete ao patrocinado envidar os seus melhores esforços para viabilizar a adequada divulgação da marca do sponsor. Engloba, como salienta Camillo Verde, comportamentos negativos e positivos; pois, de um lado, se limita a consentir a vinculação de sua figura ao nome-imagem do sponsor e, de outro, a desempenhar as atividades necessárias para a veiculação da imagem do patrocinador. Espera-se do sponsor, de seu turno, a prestação prevista em contrato, a qual poderá ser a entrega de dinheiro ou de quaisquer outros bens passíveis de quantificação econômica. Nada impede, portanto, que sejam acordados outros meios alternativos, como o fornecimento de matérias-primas, marketing, treinamento, etc. Desde que passíveis de qualificação patrimonial, a natureza do contrato será atendida. Pela autonomia privada, as partes serão livres para convencionar a melhor forma de efetuar o intercâmbio econômico. Em caso julgado pelo TJRS, uma empresa havia se comprometido a entregar vinho, em tradicional evento da Serra Gaúcha (foi destacado o “vexame que a demandante passou, na condição de organizadora de evento, com a falta de bebidas, as quais deveriam ter sido entregues pela ré”).
Não se confunde, portanto, o patrocínio com a doação, na qual deveria estar presente a “liberalidade”, na dicção da lei brasileira. Quem doa não pretende retirar vantagem publicitária relevante. Já o patrocinador, se ausente a vantagem publicitária, não encontra qualquer satisfação com o contrato. A relação, nessa última hipótese, é bilateral, pois cada parte retirará benefício da atuação alheia.
A publicidade, como referido, terá características próprias, bem sintetizadas por Pedro Alfonso Labariega Villanueva: “1. A duração, frequência e a intensidade da mensagem não dependem diretamente do patrocinador, mas exclusivamente das alternativas próprias do evento esportivo ou cultural patrocinado; 2. O conteúdo das mensagens é extremamente concentrado. Usualmente, se limita à marca, a um logotipo ou denominação da empresa; 3. O controle da mensagem pelo patrocinador é mais limitado do que a publicidade tradicional; 4. A potencialidade de atrair a atenção do público é mais elevada que a da publicidade tradicional; 5. Não existe uma direta identificação da fonte da mensagem”.
Como se observa, a ausência de expressa previsão legal não prejudica o reconhecimento do contrato de patrocínio no direito brasileiro. Esse contrato encontra “tipicidade social” que lhe garante a sua individualidade e a proteção jurídica. Atende ao interesse das pessoas, na medida em que viabiliza grandes eventos culturais, projetos de vida, carreiras, razão pela qual ocupa lugar de destaque no direito contratual deste início de século, aliando a função econômica que se espera de todo contrato, com a promoção das pessoas, que se espera de qualquer instituto jurídico.