Daniel Ustárroz – Professor da PUCRS | Doutor em Direito Civil (UFRGS) | Especialista em Resolução de Conflitos e Técnicas de Mediação (UCLM) | @danielustarroz
O importante fenômeno do “bullying” chama a atenção de diversas áreas do conhecimento. Profissionais de distintas especialidades vem colaborando para ajudar as pessoas, a partir de seus ângulos de estudo.
O presente artigo busca apresentar algumas projeções do Direito, para aqueles casos em que, infelizmente, o conflito não é prevenido, gerido ou resolvido de maneira adequada pela própria sociedade.
Inicialmente, no Brasil, há lei federal (13.185/2015) que conceitua o bullying, enquanto ato ilícito, como uma “intimidação sistemática”, a partir de “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.
Em primeiro lugar, destaco que, como regra, os pais respondem civilmente pelos atos dos filhos (art. 932, I, do Código Civil). E mais: o direito brasileiro aceita a responsabilidade civil subsidiária dos incapazes, “se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes” (art. 928, do Código Civil). Esses dois artigos são relevantes em casos que menores atuem para realizar o facilitar o bullying, especialmente no ambiente virtual (cyberbullying).
Saiba mais em: Cyberbullying e Direito ao Esquecimento – Profs. Ana Cristina Melo e Renata Abrão
Em segundo plano, temos uma peculiaridade no direito brasileiro quanto à responsabilidade civil das escolas, as quais podem ser demandadas especialmente por atos omissivos (falha na prevenção, detecção, tratamento, etc.). Isso porque a escola pública tem a sua responsabilidade precipuamente guiada pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”). Já as escolas privadas respondem consoante as regras de responsabilidade civil do Código de Defesa do Consumidor (art. 14, em especial) e do Código Civil (art. 932, IV).
Para ilustrar a situação das escolas públicas, destaco o dramático caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que condenou o Estado, pelo fato de que “a filha dos autores, à época com quatorze anos de idade, veio a falecer no interior da Escola Estadual, vítima de estrangulamento por outra colega de sala de aula, durante o horário escolar”. (TJRS, AC/RN 70082355561, 5. C.C., Rel. Des. Jorge André Pereira Gailhard, j. 15.04.2020).
Para ilustrar o ambiente da escola privada, seleciono caso em que não se comprovou omissão relevante no comportamento do educandário, de sorte que a ação foi improcedente: “não há, nos autos, nenhum indicativo mínimo de que a apelada tenha conhecimento da prática de bullying ou ciberbullying contra a autora e se mantido inerte (…)”. (TJRS, AC 70078975133, 9. C.C., Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, j. 28.11.2018).
Essa é uma característica comum: a falha na prestação do serviço educacional normalmente ocorre através de omissão. Portanto, a condenação do Estado ou do colégio privado demanda a consideração de suas iniciativas para prevenir o bullying no ambiente escolar e, principalmente, de sua inércia em detectá-lo e tratá-lo.
Ilustra essa posição caso julgado pelo TJRS, com as seguintes características: “restou demonstrada a falha do serviço educacional prestado pelo Estado, porquanto devidamente procurada a direção da escola pela aluna para noticiar bullying promovido por outros alunos, a instituição de ensino apenas chamou os responsáveis para uma conversa e promoveu uma reunião com as turmas do sexto ano a fim de esclarecer a conduta com relação ao próximo.
Não houve qualquer acompanhamento da autora e de seus agressores a fim de verificar a cessação das agressões e como a vítima se sentia em relação aos fatos. Além disso, ao que tudo indica, uma das docentes ainda adotou medida constrangedora perante a aluna para verificar a veracidade dos boatos que estariam sendo espalhados pela escola”. (TJRS, AC 70078318532, 9. C. C., Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, j. 24.10.2018)
No mesmo sentido: “o conjunto probatório constante nos autos releva que a ré falhou no dever de cuidado que lhe cabia, decorrente do serviço educacional prestado, ao não ser capaz de adotar as providências necessárias (ferramentas pedagógicas investigativas e inibidoras adequadas) para que o autor, um de seus alunos, não sofresse agressões físicas, verbais e comportamentais de colegas (bullying) e, por conta disso, precisasse trocar de escola para voltar a ter um ambiente escolar saudável e desenvolvedor”. (…) (TJRS, AC 70072796303, 9. C.C. Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 28.06.2017).
Diante da relevância social do tema, não é de se estranhar que os casos estejam surgindo com frequência nos Tribunais. Neste breve artigo, tentei apontar alguns caminhos sugeridos pelo direito para o julgamento, quando fracassada a gestão adequada/possível do conflito pelas diversas pessoas envolvidas (a vítima, agressor, fomentador, testemunhas, pais de crianças e adolescentes, Estado, empresas, escolas e universidades, etc).
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